martes, mayo 07, 2013

J.M.W. TURNER


ACONTECIMENTO; ALEGORIA SEGUNDA; POEMA PARA HABITAR


J.M.W.Turner «The Bay of Uri, Lake Lucerne, Switzerland», 1841
(watercolour)
- The Henry Vaughan Bequest / National Gallery of Ireland -
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ACONTECIMENTO

Tu choravas e eu ia apagando
com os meus beijos os rastos das tuas lágrimas
– riscos na areia mole e quente do teu rosto.
Choravas como quem se procura.
E eu descobria mundos, inventava nomes,
enquanto ia espremendo com as mãos
o meu sangue todo no teu sangue.
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Não sei se o mundo existia e nós existíamos realmente.
Sei que tudo estava suspenso,
esperando não sei que grave acontecimento,
e que milhares de insectos paravam e zumbiam nos 
meus sentidos.
Só a minha boca era uma abelha inquieta
percorrendo e picando o teu corpo de beijos.
*
Depois só dei pela manhã,
a manhã atrevida
entrando devagar, muito devagar e acordando-me.
Desviei os meus olhos para ti :
ao longo do teu corpo morriam as estrelas.
A noite partira. E, lentamente,
o sol rompeu no céu da tua boca. *

(in «Secura Verde» Porto, 1950)



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J.M.W. Turner «The Piazetta, Venice», 1835
(watercolour)
- The Henry Vaughan Bequest / National Gallery of Ireland -
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ALEGORIA SEGUNDA
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De poetas e filósofos tu sabes,
sabes também por ti. Por isso eu digo :
esta pedra é vermelha, esta pedra é sangue.
Toca-lhe : saberás
como em segredo florescem as acácias
ao redor dos muros, como fluem
suas concêntricas artérias. Acaricia-as : tocas
a parte mais sensível de ti mesmo.
*
Dizias ontem que o verão ardia
nesta pedra. Nela
queimavas tuas mãos. Onde
as aqueces hoje? Eu digo :
o verão não morreu, esta pedra é o verão.
*
E tudo permanece. E tudo é teu.
Tu és o sangue, o verão e a pedra.

(in «Paralelo ao Vento» Porto, 1979)


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J.M.W. Turner «A Shipwreck off Hastings, 1825
(watercolour)
- The Henry Vaughan Bequest / National Gallery of Ireland -
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